JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Da série BATALHAS DIÁRIAS: Perseguição

Há um monstro em meu encalço. Ele tem olhos de fogo que observam meu pensar. Pernas tão longas que se adiantam a qualquer rota minha. E voz de trovão. Me persegue há meses, sem nunca conseguir me alcançar. Já me teve encurralada à sua frente algumas vezes, mas com um curioso sadismo me deixou escapar. (...) Acho que ele gosta de me ver doída, suada, confusa correndo de sua sombra. E me fazer de presa faria com que o jogo acabasse. Afinal, quem poderia ser uma mocinha tão desesperada como eu? Perfeita combinação de mulher descabelada com monstro bem-controlado. Cena dantesca que se repete aqui dentro há tantos dias que já perdi a conta. (...) E por que eu não o mato? Chances não faltaram, apenas coragem de me ver destituída de meu papel de vítima. Devo admitir que me apeguei aos suores que me transfiguram em uma espécime especial de vivente: 'A que perseguem'. 'A que foge'. 'A que sofre'; alcunhas sonoras que se apoderaram de mim e agora não sei mais como me desfazer delas. (...) Passei dias na cama e minhas pernas perderam a força. A certeza de que não poderia nunca mais correr me trouxe uma vontade gigantesca de arranjar novas formas de ocupar o tempo. Entendi que para isso é necessário matar o tal monstro. (Punhalada certeira no meio dos olhos!). Aceitei que é este o caminho, agora falta apenas polir a arma escolhida. (...) Estou aqui me convencendo que tenho direito a buscar essa morte, por todo desgaste que ele já me causou. Por todos os dias em que tão bem executei o papel da vítima, da presa. Por todo sofrimento. Não, Isabela, não será preciso fazer um velório. Nada, nada. Apenas punhal, força, sangue e o som seco do corpo se chocando contra o solo. Para, então, se instalar o silêncio que há quilômetros atrás abandonou a minha mente.

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