JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Da série PALAVRAS AO VENTO: Engoli-lo, gestá-lo, nascê-lo


Hoje um encontro me tirou o chão.

Não o encontro da manhã, que é curso leve de rio, que conduz tranquilo o olhar do passante. Esse ficou na sensação da manhã, no sorriso, no perfume. Veio comigo, mas ficou lá ao mesmo tempo; dialética do sentir.

Mas, então; hoje um encontro me tirou o chão. Na verdade me roubou o rumo, me descontrolou, me virou do avesso. Ele fora. Eu dentro. E os olhos se encontraram pelo vidro que ele molhou. Aí eu o reconheci; quase o tinha perdido no fundo da memória, porque o que mora em mim é apenas uma criança do lado de fora. Sempre fora, mas, sabe... nunca tinha sido tão fora quanto hoje. A gente se reconheceu, mas não nos sabíamos mais, porque aqueles que se conheceram há tantos anos se perderam num tempo de esperanças. Naquele tempo eu acreditava que um dia estaríamos os dois do lado de dentro. Que não haveria mais um fora tão mortificante quanto o desta tarde.

Eu parei naqueles olhos, que são tão duros que não deixaram nem o rastro reconhecível do garoto por debaixo daquele encarar de pedra. E foi minha vez de virar rocha diante do ex-menino-esfinge, que me mordia com os olhos boiando sem lugar.

A água sobre o vidro vira água sobre os olhos, escorre pelo queixo, molha o colo, as pernas, os pés; enlameou tudo com aquela dureza de pedra a rolar sobre minha memórias. 

Eu lembro que sentamos juntos e conversamos lá atrás. Alef. Ele era um menino, era pequeno, e era loiro. E tinha um primo, Júnior, que era negro e dentucinho. Eu levava presentes e conversava sobre o como era bom dividi-los. E sentava com eles e escutava as histórias bobas de criança e as perguntas sabidas que só podem ser feitas por quem observa o mundo estando de fora dele. Eu amava aqueles meninos dentro do que eu poderia amar. E sonhei tanto e vibrei tanto e emanei e desejei e projetei e fiz tanto quanto sabia fazer para que existisse, mesmo que num plano distante, uma energia de amor direcionada àqueles dois pequenos. 

Dois pequenos... Um deles encontrei hoje, já meio médio meio grande. Ele tinha uma espécie de bigode de adolescente, e ele me reconheceu com os olhos, mas não sei se dentro da cabeça. E ele molhou o vidro que congelou nossos olhos, e meus olhos então que se molharam de dor como se tivesse vendo o meu filho morto dentro daquele rapaz. (...) Não é vaidade do que roubaram 'de mim', mas dor lancinante pelo que roubaram dele! Está errado... Eu queria sair dali e gritar por entre os carros e contar pra todo mundo quando era eu quem levava carros de plástico para a gente sonhar um pouco juntos. Está errado e não há mais como fazer isso gritar dentro da gente!

(...)

Hoje esse encontro me tirou o chão. Ainda estou chorando, não posso negar. Tá sangrando aqui dentro e não sei como fazer estancar, meu Deus. Vontade apenas de engolir aquele rapaz e gestá-lo e pari-lo de novo pelo olhos, só pra nos dar a chance de recomeçar por um novo começo.

Mas eu não posso.

Hoje um encontro não me tirou o chão. Na verdade, hoje um encontro me tirou um pouco de tudo aquilo que morava na parte mais bonita de minha memória...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Quando eu era gincanista....

(...)

Sim, eu já fui gincanista. Dessas de se referir a si mesma alguns anos mais tarde como 'gincanista', como se fosse esse um título a zelar. E de certo modo até era, porque a gente sempre ganhava t.u.d.o, incluindo amigos, respeito dos professores pela capacidade de organização, uma-coisa-parecida-com-admiradores vindos das classes vizinhas e, é claro, o grande prêmio em dinheiro que dava pra pagar uma viagem BALA para algum lugar do estado. Bons tempos...

Mas então; quando eu era gincanista eu já era ocupada. Descrevendo minha rotina de adolescente para um moço-querido esses dias eu notei como, PQP!, desde sempre eu sou uma pessoa lotada de afazeres. Eu costumava acordar 5:15, fazer exercícios no meu quarto enquanto assistia Telecurso 2000, preparava meu café, arrumava minhas coisas, tomava banho, passava meu uniforme, me maquiava (ato religioso desde 14 anos), CAMINHAVA uns 2km até a escola, assistia aulas até 13h, às vezes estudava com os outros mais atrasados até umas 14h, voltava caminhando (sempre com a meta de emagrecer mais e mais e ainda economizar uns trocados), tomava banho, fazia minha comida de dieta, es-tu-da-va umas 5h, me arrumava, ia pro ballet, fazia sei-lá-quantas-horas-de-aula, voltava andando de novo, arrumava minhas coisas pro dia seguinte, lia alguma coisa e, aí sim, ia dormir.

Em época de gincana era tudo isso mais ir no Cabula e em Nazaré de buzu só pra convencer os colegas do colégio conveniado a se juntar à minha equipe, cortar papel, criar coreografias, gerenciar finanças, argumentar com professores para me liberarem das aulas, vender lanches para levantar grana pra equipe, conversar com fornecedores, conversar com pais de  bons alunos do 1º grau para que eles autorizassem a participação dos filhos na gincana, conversar com pais de maus alunos do 2º grau para que eles igualmente autorizassem a participação dos filhos na gincana, me relacionar com os outros líderes da equipe (quase sempre quatro marmanjos), negociar com minha família o empréstimo de um zilhão de coisas, negociar com meus hormônios adolescentes, dar pesca pros amigos que já estavam quase perdendo de ano e, claro, achar um tempo pra motivar as mais de 200 pessoas que compunham a equipe. 

(...)

Nunca compreendi como eu sobrevivi à minha adolescência!

Pois que, quando eu era gincanista, eu já não gostava de gente correndo com cara de desesperada pelos corredores. Sempre tive certeza que o Tempo era coisa pra se gerenciar e nunca para ser perseguida que nem um fugitivo. Cunhei nessa época a frase pseudofilosófica: 'O Tempo é meu amigo', completada invariavelmente com a pergunta: 'Se seu amigo estiver caminhando muito rápido em sua frente, você corre atrás dele ou vai pedir pra ele ir mais devagar?'. E aprendi cedo a pedir pro tempo me aguardar.

Em algum momento, ainda nova, eu entendi a não me desesperar com as coisas, mesmo quando elas parecem ABSURDAMENTE acumuladas. E fiz um tantão de coisas na vida apenas cumprindo uma depois da outra, ou todas ao mesmo tempo, mas sem o desespero de achar que não vai dar. Acho que sempre irá dar, e trabalho para isso acontecer.

A porra do meu mestrado (e um namoro desestruturante concomitantemente) me roubaram um pouco dessa clareza, que estou reconquistando dia a dia. Alguma coisa nos astros reacendeu há poucos dias a chama do auto-controle temporal que existe em mim, e lembrei como é ser dona dos meus sentidos e ferramentas de trabalho. Parece que estive dormindo e acordei. Santa felicidade, Isabela, você está de volta!

Mesmo doente eu tinha um zilhão de atividades pra dar conta ao mesmo tempo. Mas agora elas não tem me dado tanto pavor. E olhe que atualmente o que está em jogo é bem mais do que boas notas e uma viagem de fim de semana com os amigos. Hoje eu respondo por um teatro, integro o trabalho de um grupo de artistas, lido com alguns milhares de reais dos outros, compartilho experiências e conhecimentos de assuntos sérios, gerencio minha casa, minha saúde, meu peso, minhas dezenas de afetos, minha conta bancária, enfim... meu Tempo! E sempre atenta para não deixar o bom-humor se escoar, porque ele é fluido leve que se evapora num piscar de olhos.

Ai. É isso. Estou feliz (ainda que não esteja eufórica) com esse retorno. E queria firmar isso em palavras públicas. Tarefa cumprida, termina aqui o que poderia interessar ao resto do mundo; o que se segue é apenas uma listinha de demandas no modelo dessas que habitam minha vida desde a tenra juventude:

  1. Adaptar projeto Andrea 1;
  2. Adaptar projeto Andrea 2;
  3. Adaptar projeto moços 1;
  4. Adaptar projeto moços 2;
  5. Adaptar projeto Bebé;
  6. Escrever projeto educação;
  7. Enviar proposta financeira cantora;
  8. Prestação de contas dos outros;
  9. Definir horários com músico e videomaker;
  10. Elaborar Termo de referência ocupação;
  11. Elaborar Termo de referência outubro;
  12. Re-revisão dos procedimentos de rotina;
  13. Fazer guia de procedimentos equipe;
  14. Contato com centro de cultura canadense (projeto!);
  15. Enviar presentes Ucrânia, Canadá, Coreia e Suíça;
  16. Preparar material de amanhã cedo;
  17. Preparar material da semana que vem;
  18. Organograma projeto de circulação;
  19. Revisão dissertação;
  20. Compras da casa;
  21. Começar academia;
  22. Médicos (todos os que faltam);
  23. Documentos em aberto;
  24. Pagar itens em aberto;
  25. Arrumação cozinha (armários, geladeira, etc);
  26. Arrumação sala (forro sofá e quadros);
  27. Arrumação escritório (limpeza geral);
  28. Fazer mercado!!!!;
  29. Passar na costureira pegar roupas;
  30. Passar no sapateiro pegar itens;
  31. Mudar de agência bancária;
  32. Colocar aparelho;
  33. Relatório nosso;
  34. Enviar presentes Québec;
  35. Processo de mudança geral;
  36. Pós-2;
  37. Iniciar inglês;
  38. Iniciar francês;
  39. Capas Magritte;
  40. Devolver os livros emprestados;
  41. Terminar os 45 livros que faltam;
  42. Pendências do carro (buzina, limpador, tapetes, etc);
  43. Coisinhas bobas (novos sapatos, itens de cozinha, roupas, cremes, dormir...);
  44. Projetos artísticos: COMEÇAR!;
  45. Resolver trânsitos afetivos;
Acredite; isso são apenas as demandas importantes, relevantes e que têm prazo para serem cumpridas. Ainda teria uma tonelada de coisas se eu começasse a listar o que eu desejo fazer, como viajar, tomar um banho de folhas ou retornar pro ballet. 

Mas é isso. Acho meio bonito essa coisa de heroína que tem tantas demandas À espreita e ainda assim consegue sorrir, tomar banho, namorar de vez em quando e até comer decentemente. Acho bonito, sim... não era de ser assim, mas a verdade é que eu sempre achei bonito.

Agrava um pouco a minha situação o fato de que eu cuido de mim sozinha, solita, solita, à exceção dos amigos que tantas vezes se cedem a mim por amor e cuidado. Mas de ser 'dona' mesmo dos problemas, aí é tudo comigo. Às vezes dói, mas em geral dá só satisfação depois que fica pronto. Então, sigamos rumo à reta final, que espero eu que seja beeeeeem distante de onde estou neste exato momento. Energia gera energia; esta é uma certeza.

Alors, allons-y, Isabela!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Da série PALAVRAS AO VENTO: 1,2,3,4

1. Ok; eu não sou fácil. Mas sou honesta e amorosa e leal. Claramente leal, ainda que vez ou outra a certeza do ser abandonada me faça repensar sobre essa faceta. E nem adianta, viu?! Tentou me controlar, me dobrar, jogou 'contra' meu jogo, eu saio pela tangente. Porque eu estou me dando bem comigo mesma e não vou arrendar essa paz a qualquer preço. E, olhe, eu g.o.s.t.o de trocar, de compartilhar, de abrir as portas de casa e da rotina, então sejam bem-vindos; só não venha mexer na arrumação dos móveis e palpitar no tempero da comida sem receber autorização prévia, porque simplesmente não vai rolar. // E estou sendo sincera; não sou uma dessas reclusas que têm a solidão como companhia preferida. Mesmo! (...) A verdade é que esta postagem é para mim. Porque eu gosto de ficar sozinha, mas queria mais opções de compartilhamento. 

2.  Un jour elle m'a dit que je suis une femme d'épouser... plusiers. C'est vrais, la tellement lourde verité. A mais pura verdade.


Agora,... quem tem coragem de vir nessa jornada que muda de cenário a cada solstício? Como negociar com o ego do outro e convencer de que talvez eu mude de ideia, então sejamos apenas o momento presente? (...) Eu não viria, na moral...

3. Há um lugar na casa reservado para o devaneio. Nada mais apropriado do que o silêncio como companhia, porque a poesia minha é construída com imagens em giz-de-cera e não com palavras. Não há o que dizer que não seja apenas para abrir a porta das metáforas internas. Sou uma moça de discursos internos, sim sim, meu senhor...

4. O meu corpo afirma ódio eterno a alguns hábitos; cansaço, desgaste, dores, devoluções, inchaços, entupimentos. A rotina me diz que não acharemos solução juntas, então será preciso jogá-la na lona e vencer por cima de seu querer. (...) Me perdi, mas vou me achar. Eu, a mocinha do controle, me dôo com a errância dos passos. Mas uma coisa que a maturidade tem ensinado desde o seu apontar no horizonte é a como ter paciência.

Assim sendo, terei-a!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Da série MENSAGEM NA GARRAFA: O homem do vestido

Foi uma noite onde se falou da perspicácia dos cachorros, da origem do gato, das curvas iluminadas, das vontades da véspera, de acocorar-se aos pés, da sabideza dos olhos, da mulher com pano.

Noite de entrega à beleza, porque ela é valor em si.

"Primeiro, último e infinito." Sem nunca haver brigas, nunca haver lágrimas, de fazer restar apenas o sorriso. E o segredo contido no silêncio.


(...)

Eu gosto muito desses encontros. 
Obrigada por trazer ele pra mim.