JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Eu sei dançar, me maquiar, cozinhar, sei escrever, desenhar cubos, falar e ler e escrever em francês, sei um monte de histórias de mitologia, sei algo de inglês, sei usar os talheres, usar o excell, falo um espanhol de criança mas falo, sei fazer declaração de imposto de renda, sei fazer percentagens de cabeça, sei escolher frutas no mercado (abacaxi eu aprendi a escolher esses dias, com Fabão), sei me comportar em praticamente qualquer ambiente, sei fazer as minhas unhas, sei dirigir, sei ler mapas, sei orientar as pessoas, sei conversar com gente diferente de mim, sei falar em público, sei contar piada, economizar nas contas domésticas, dar conselho, ouvir conselho, sei pedir ajuda, sei onde moram meus medos, sei a diferença entre um coreano e um japonês, sei arrumar uma mala, sei mentir para as autoridades, sei ser a autoridade, sei pregar botão, engraxar sapatos, colocar bobes, elaborar um orçamento, terminar um relacionamento, fazer um novo amigo, escolher um presente, sorrir quando necessário, delegar tarefas, calcular tempo&distância, regras de três, tirar quase qualquer mancha de tecido, saber se vai chover de olhar o céu, sei ficar sozinha, sei dar uma festa, sei mandar as pessoas embora, sei cumprir com a palavra, sei pedir desculpas, olhar relógio analógico, sei a diferença entre sustenido e asterisco, sei ser elegante, sei ser deselegante, sei entreter uma criança, sei entreter um teatro lotado, sei dar aula, sei cuidar de mim, sei reconhecer os sinais de meu corpo, sei me arrumar, sei escolher roupa pra mim só de olhar, sei quais meus direitos, sei ser terna, sei ser bruta, sei escrever roteiro, sei criticar um trabalho, sei contratar um prestador de serviços, sei fazer combinados, sei ler e redigir contratos, sei votar, sei fazer backup, sei catar feijão, sei me aquecer, sei onde mora meu prazer, sei onde procurar o prazer do outro, sei como andar sozinha numa cidade que não conheço, sei alugar um apartamento, sei mobiliar um apartamento, sei criar um roteiro de viagem, sei dizer se uma comida tá estragada pelo cheiro, sei contar vantagem, sei dar vantagem, sei calcular INSS e IR e ISS e CPMF (quando precisava...) e sei como fugir disso tudo também, sei que o amor é reciclável, sei reconhecer quando estou apaixonada, sei reconhecer quando o outro está apaixonado, sei programar videocassete, sei tudo que é regra de gramática (mesmo errando um monte), sei fazer um juramento e cumprir, sei guardar segredo, sei alimentar um afeto, sei ser justa, sei perder, sei ser um porre, sei ser um doce, sei escolher o que comer num restaurante novo, sei comer direito, sei dar os parabéns, sei esquecer de tudo isso pra aprender tudo outra vez.

A rotina apura o meu olhar para poesia. Teoria da física: o movimento de velocidade contínua é também inerte, pois é na variação que a dinâmica se dá. Se minha vida atinge uma velocidade e ali se mantém, a inércia abre as portas da percepção e libera o ânimo para olhar a paisagem.

(...)

Decidi ser artista para ter um desafio novo a cada dia. Consegui o que queria. Na verdade eu poderia dizer que desde os 20 anos eu estou sofrendo de uma overdose de desafios, com raros momentos de exceção. Nesses instantes de pausa, o corpo nem sabia bem o que fazer com tamanha tranquilidade e terminou por adoecer de dores pra dentro e pra fora. Carro de corrida projetado para vôos em solo, meu espírito nunca sabe como se portar quando o condutor deseja apenas passeios dominicais em uma arborizada rua local. 

Mas eis que, a rotina, ela me distrai. A tranquilidade em movimento é como a paisagem da infância a passar pela janela do carro da família, num fluxo tão veloz quanto constante, tudo tão interessante e monótono que mal dava pra ver quando já estávamos desembarcando em terras do sul.

Preciso de rotina. Para poder sobreviver ao disparar, estancar, respirar, re-disparar, preciso de alguma monotonia. Para que a poesia retorne, para que o corpo se ajuste, para a respiração voltar ao normal.

Atenção ao passo, então!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Da série REFLEXÕES POÉTICAS: Pré-aniversário

Quando eu era pequena, eu achava uma coisa MEGA chique uma pessoa pegar uma pasta tipo executivo e sair para uma reunião. Achava mesmo o alto do chiquê qualquer reunião; na minha cabeça consistia em um monte de gente em torno de uma mesa comprida achando soluções incríveis que seriam executadas por outras pessoas mandadas por elas.

(Meu mundo imaginário sempre foi meu playground particular...)

Achava chique também carimbo; alguém pegar um carimbo com seu nome e profissão, bater em um papel e assinar por cima, ai, achava o máximo do ser importante!

Achava 'A' coisa também uma pessoa passar um cheque. Como assim?! Um pedaço de papel que vale dinheiro, e que permite que você pague coisas caras com aquilo. Uau! Adorava.

O Destino é, já disse, um senhor de humor muito refinado. Aquela menina deslumbrada com a vida dos adultos virou, ela mesmo, uma mulher adulta cheia de demandas. Hoje eu hoje vivo, morro, me desfaço, derreto, revivo, retorno, não s.a.i.o de reuniões de variados graus de importância, tenho mil pastas e PILHAS de papel pedindo minha assinatura diariamente, tiro pelo menos 1 talão por mês... E olha que nem burocrata eu sou exatamente. Minha vida não tem nada do glamour que eu imaginava, mas a beleza de você se ver adulto e ainda conseguir manter o olhar de criança para algumas coisas, isso sim é pra mim da mais alta glamourização-de-todas-ever. 

(...)

Pensei nisso porque eu acabo de telefonar para um restaurante para fazer uma reserva. Para além do caráter prático desta ação, cada vez que eu dito para um atendente o número de pessoas que irão participar de um almoço/jantar meu e a pessoa lá, por sua vez, anota num papelzinho para deixar tudo pronto para quando chegarmos ao local, TODA vez eu me vejo como criança de novo, deslumbrada com pequenas ações de mínima importância e máximo impacto. Me sinto chique como eu achava serem os adultos engravatados, de pasta e canetas tinteiro, vivendo em torno duma mesona de madeira maciça.

Reservando uma mesa para meu aniversário de 29 anos (!) eu me senti deliciosamente deslumbrada de novo, como uma garotinha que sonha com o momento de ser ela a adulta bonita e glamourosa a pegar sua pasta de trabalho, sair para a vida e engolir o mundo.

Feliz pré-aniversário pra mim!