JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Da série MENSAGEM NA GARRAFA: Amar àquela que se odeia

O doloroso da morte é que com ela não se negocia. Para ela a gente não pode dizer Pára! ou Volte depois... ou Só mais um minutinho... Ela manda em nossos tempos. Ela coordena nossos ritmos.
Não há remédio, não há negócio, não há discussão, não há poréns.
Ela vem e vai. Sem nos consultar.
(...)
Hoje chorei de amor. Por conta do amor que sinto por um que sente amor por uma, eu chorei porque a Morte o desrespeitou e o machucou à toa. Como quando você engole um sapo que machuca fundo a goela, hoje vi uma pessoa tão amada com a garganta destroçada pelo tamanho da dor que precisará engolir. Essa ferida vai tão fundo e será tão longa no sarar... Talvez a goela desse meu amor nunca mais nem volte ao formato normal, talvez nem se ajuste mais ao tamanho correto dos dias antes-da-Morte. E por isso é tão duro: porque só nos resta o aceitar.
Mas se é tudo tão negociado nesses nossos tempos, se há em nós o ímpeto eterno de entender e resolver e ressaber e ceder e compreender, como conviver com o aceitar cego daquilo que a gente não iria jamais desejar? Como deixar passar pelo corpo, entrando pela boca e olhos e narinas e orelhas e não barrar o fluxo dessa dor ali na altura do umbigo, impedindo que a última pergunta se vá, mesmo que sem uma resposta? Como se despedir de nossos amores sem se dilacerar inteiro? 
Acho que não há mesmo um 'como' para isso. Cada vez mais creio que não há.
Talvez seja por conta de sua crueldade que eu nutra constantemente um carinho imenso pela morte. Como mulher enganada que insiste em olhar pelo ângulo mais positivo aquele homem que tanto a maltrata, eu a olho com olhar condescendente de quem já aceitou que serei obrigada a recebê-la vida adentro um tantão de vezes. Me contorço para achar-lhe um perfil belo, uma visão favorável... Talvez seja o caso de pintá-la de cores bonitas, recitar-me histórias doces, para que eu não lute em vão quando ela me bater à porta.
E eu tenho muita raiva da morte porque só me resta amá-la! Ela vive comigo, é mãe, irmã, conjuge e amiga; ela me acompanha em cada ciclo, então a única saída é dedicar-lhe meus bons sentimentos. Ela não me abandonará, nem a mim nem a nenhum dos meus.
(...)
Tentemos, portanto, aceitar a sua chegada. Mesmo quando a odiamos profundamente como neste exato momento.