JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Da série MENSAGEM NA GARRAFA: Em memória dos meus

Eu sou uma espécie de raízes aéreas. Meus laços se prendem no alto da cabeça e não na planta dos pés. Não poderia ser amarrada por baixo, porque a agressividade dos passos ao certo me levaria ao chão. Mas meu material interno tende aos desafios, e a gravidade convida ao solo mas não controla o voo.

Pois que sou uma mulher de raízes aéreas. E se por genealogia essas raízes são mais frágeis, eis que elas se embebem de ar até o transbordo.

...

Sim, hoje é sobre saudade de casa

(...)

Não, eu não sinto falta do terreno conhecido sob os pés; já trago hectares inteiros amarrados a meu juízo. Desbravei por toda vida as sombras e caminhos e sabores e trilhas e sementes e clareiras dos que me são meus por direito. Dos meus, que recebem esta alcunha apenas porque me sabem deles.

Os meus...

Sinto falta dos meus, ainda que sempre encontre alguém bonito pra se emprestar para mim onde eu estiver. Não há como reclamar dos braços alheios mais longos do que de costume, das vozes que ecoam diferente, dos abraços que apertam em pontos imprevistos, das histórias que remetem a um outro lugar... Não, não poderia reclamar disso. 


(Eles me alimentam como a vizinha zelosa que cuida dos filhos alheios para permitir-lhes um saldo de ar fresco)

Mas os olhos dos meus são banheira de água quente onde me diluo sem medo de afogamento. Deleite dos que me entendem pelo arfar das ideias, acolhendo meus suspiros e os guardando num lugar seguro. 

Os-bonitos-que-se-emprestam-pra-mim têm, sim, águas mornas e sadias, bastante cheirosas tantas vezes, mas há alguma coisa que falta pra aquietar o corpo completamente. Esse nãoseiquê me dá desejo de ser o mundo bem pequeninho, tanto que bastasse uma corrida mais decidida para alcançar suas águas.

Eu amo os meus. Os que eu assim chamo porque me abriram suas portas, porque me revelaram seus cantos, porque me mostraram os espelhos escondidos do lado de dentro do guarda-roupas... desnecessidades de revelamento extremo. De tão e tanto é que esse exagero do compartilhar-se se faz tão vital. E nesses lugares minha alma pousa e respira.

Minhas raízes são aéreas e, hoje, apontam somente para o alto da cabeça daqueles que me têm com amor.

Obrigada.