JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Da série O QUE AS ESTAÇÕES ENSINAM: Deixar-se ser Nilo

...sim, porque a gente não tem um lago dentro da gente, mas um rio. Ou melhor; antes do rio que corre há ainda a fonte que o faz nascer. Nossas águas são de fluxo, de caminho, de seguir... nascemos preenchidos de água de correr, por assim dizer. Então não podemos ter medo delas.

Quando a amiga disse sua resolução de novo ano ("Neste final de ano gastarei t-o-d-o o meu dinheiro; aí ano que vem eu sento e choro.") e a cumpriu, eu amei-a tanto por sua sabedoria para lidar com seu rio. Eu achei ela tão imensa e sábia e ainda mais bruxa que meu movimento foi unicamente do encantamento. Nem me deu o ímpeto de reaver minhas estradas de dentro e seguir para as margens de meus próprios espelhos d'água. Mas hoje, ao acordar, me perguntei porque de fato não estou incomodada com as perspectivas no horizonte imaterial. Parei, me indaguei olho-a-olho, e vi a moça de cara amassada responder-me tão tranquila que nada temia porque conhecia bem o caminho de ida e de volta nessa estrada diária de construções afetivas.

(...)

Vai, mulher, vai, até onde as pernas e pés e ânimos puderem te levar. Quando virar o novo ano de seu juízo, você retorna se arrastando se for preciso, se deita ali, aninha-se e chora. Chora, chora, chora, chora.... e deixa que esse rio estancado por dentro transborde pelas barragens e te engula e vaze e nutra tudo de novo. Uma estação depois da enchente destruidora, o rio que te corta será fio de água novamente, e mesmo com os olhos ainda doendo vai conseguir ver a beleza da vida crescendo às suas margens. Eu, mulher-Nilo, mulher-seca-enchente-florescimento, mulher-ida-volta-rodopio-grito, renascerei mais bonita do que nunca a partir das minhas margens encharcadas de lama. Essa lama rica que se cria na beira dos nossos rios de correr, à qual nunca se pode temer porque nela habitam os microrganismos que comem nossas incertezas e renovam toda a terra que nos sustenta os pés.


Rainha do Nilo, porque não? Àquela que não temer as enchentes sempre terá a sorte de contemplar a colheita da estação seguinte; Ela me confessou há tempos ser exatamente esta a sua força. 

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