JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Da série SEGREDOS AO VENTO: Polaridade

(...)

Demoro a encontrar a palavra certa. Na verdade as palavras certas, no plural, tão plural quanto os encontros vividos. Muitos, muitos, talvez até além do que minha capacidade de renovação poderia dar conta. Mas estive lá, presente, e deixei cada encontro entrar, cada afeto se instalar, cada coisa se posicionar e se espalhar e performar e se exibir no máximo. Até o momento que disse que era a hora da partida, e pedi delicadamente que se retirassem.

E alguns foram sem relutar, outros insistem em retornar e deixar bilhetes na porta quando a encontram fechada. É natural; eu faria o mesmo. E respeito os tempos de todos, inclusive os meus, então não há qualquer problema em descolar os recados da entrada e posicioná-los em um cantinho novo da memória. E foi.

E vinha assim alternando momentos de desinteresse sincero e desconfiança profunda. Pelo menos até agora pouco. Alguns encontros simplesmente não me demoviam. Outros, me anunciavam a catástrofe já no momento da entrada. Se fosse qualquer pessoa mais saudável do juízo em meu lugar, mais tranquila per si, menos ariana, diria a qualquer um dos visitantes recentes que não viesse mais, que não poderia recebê-los, que estava ocupada demais. Mas  ao meu olhar a beleza do ser humano é essa mesmo: a riqueza de detalhes bons e ruins. E ela só pode ser vista depois de ser retirada a superficial camada de verniz que a gente teima em colocar sobre a pele. Para isso é necessário se deter um tiquinho que seja sobre a carne e curti-la até sangrar um pouco, mostrar uma nesga dos nervos, revelar-se nua. Essa parte é a mais bonita, mas qualquer erro no manuseio da faca do curtume pode causar danos profundos. Por isso a delicadeza precisa ficar sempre à mão, guiando os gestos e orientando o ritmo da coisa toda. 

Nesse processo aprendi a silenciar. Assim como não há como se perguntar ao  couro se a faca está a machucá-lo, não se pergunta a um afeto se ele traz na bagagem traumas, dúvidas, desconfianças ou expectativas malucas. Não; isso não se pergunta. É preciso então trazer a delicadeza próxima às orelhas e usá-la como concha vazia a sussurrar a memória do mar se se quiser entender o outro que se coloca à sua frente. 

Sou boa com a faca mas ainda não muito com a concha, admito. Estou aprendendo a passos meio lentos, mas sigo. 

(...)

Pressinto que os próximos dias se converterão em duros treinamentos de escuta. Vamos acompanhar...


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