JARDIM DOS ENCONTROS
Lugar de encontrar palavras, devaneios, imagens e sonhos plantados a esmo.

domingo, 19 de setembro de 2010

Da série BATALHAS DIÁRIAS: Da solidão de ser eu mesma


É engraçado ver a surpresa dos amigos frente ao fato de eu saber cozinhar
E diante do colega de trabalho que demorou mais de um mês para enxergar beleza em meu rosto
E daqueles que acham que sou frágil
Curioso os que pensam que sou boba, despreparada, mimada, medrosa
Estranho ele achar que não sou mulherzinha, e eu precisar chorar para ele entender que está doendo
E é um desafio à minha paciência notar no olho do popular a certeza de que sou uma burguesinha sem noção
E das mulheres-patas transtornadas por seus homens que um dia podem me enxergar
E, isso sim é um desafio, é muito estranho um cara que fica ouvindo pagode-alto-na-porta-da-casa-dos-outros-no-domingo-sem-camisa-tomando-cerveja-em-lata achar que eu sou uma pessoa para ele. Não porque ele seja pior, eu melhor, por conta de refinamento ou falta dele, mas porque eu não tenho interesse nesse universo e a pessoa não consegue notar.

Eu me acho tão óbvia, eu tento ser tão clara. Mas a falta de modelos de comparação deve ser a causa de tantos ruídos.

Ok. Eu também não ajudo muito: sou branca, black-power, meio gordinha meio gostosa, meio fresca meio bofe, tenho um Fusca velho e uso sapatos de couro rosa com laçarote, não faço nunca as unhas mas meu creme de cabelo tem que ser alemão, nasci na Pituba mas me porto como mocinha do centro, tenho ardores de étnicas-popular e discurso de bem-nascida na classe média, sei usar os talheres para poder comer de mão sempre que tô com vontade, meus pais são sulistas e minha religião é mais pra afro-baiana.

Mas, por favor, se a pessoa me olhar será capaz de me enxergar!

(...)

Minha preguiça é meio que essa com as aproximações desagradáveis. Elas normalmente são por pura incapacidade da pessoa olhar para algo além de si mesma. Como é que alguém pode 'gostar de mim' se nem me olhou o suficiente para saber que não correspondo aos primeiros modelos que ela tomou como referência?! Ai, Cristo - vou saltar de assunto - mas é por isso que eu odeio as mulheres-patas. Porque elas atrasam, por tabela, a minha vida. A total incapacidade de se imporem, de serem como querem, de fugirem um tiquinho que seja ao modelo preciso-ser-gostosa-e-fazer-escova-para-casar-com-um-cara-fiel-e-bem-colocado-e-você-é-uma-ameaça, de irem além da competição feminina, de pararem de se comparar o tempo com a outra me dá uma preguiça imensa. E desço a madeira em qualquer amiga que vier com esse discurso mesquinho e babaca que mulher fracote. Falo mal mesmo, esculhambo sem dó, na frente da pessoa em alto e bom som, para ver se se tocam.

Nunca esqueço o dia em que, quando eu ainda trabalhava na FUNCEB, fomos ver a orquestra Neojibá tocar. Na frente dos músicos, a spalla era uma violinista novinha, simplesmente linda, sorridente, elegante, com os cabelos e a cara da Pocahontas. Um troço de bonita, de luxuosa. E ainda devia ser talentosa, senão não estava ali dando o tom para os colegas de orquestra. Pois bem que, após o espetáculo, a menina era o comentário geral entre a mulherada e todas, mas t.o.d.a.s, com exceção de mim, teceram comentários maldosos e invejosos. De 'Deve estar dando pro maestro' a 'Se chegasse perto de mim eu tacava a tesoura naquele cabelo' foi o mínimo das imbecilidades que escutei.

(...)

Ai.... eu juro que refleti se devia ou não dar uma de louca e, contrariando o bom-senso, fiz a maluca e falei para todas que era ridículo aquele tipo de comentário, que a menina ser linda não torna ninguém feia, que isso sim as tornava desinteressantes e que eu, ao contrário, se pudesse tascava era um beijo nela de tão linda. E chamei todas de bobas e competitivas, de mulherzinhas e, obviamente, fui mal-recebida. Mas dei de ombros, como de costume, porque ter amigas mulheres nunca foi mesmo o meu forte. Não tenho saco para gente que reclama mas não resolve, quem postula responsabilidades, quem não confia no seu taco fica medindo o taco do outro.

Ódio da coleguinha de trabalho que se compara dia após dia e tenta me colocar para baixo simplesmente para ter companhia em sua insegurança.

Mulher é um porre. Gente tosca é um porre. Mulher tosca é o porre do porre, sinceramente.

E sigo, certa de que é mesmo um caminho solitário esse de ser como se deseja, agradecendo a cada dia por não ter ido fazer Medicina ou algo do gênero que ia me transformar em mais uma idiota de escova progressiva, feliz por minhas diferenças e lutando para me resolver com minhas inseguranças e limitações. Sem querer envolver o outro.

Porque eu sou minha! Meus erros e acertos ME dizem respeito. E minhas conquistas, minhas perdas, meus desavisos, meus riscos, quedas. E minha felicidade só diz respeito a mim mesma, sem possibilidade de fazê-la representar por alguém via procuração.

E se eu não me cuidar, quem irá fazer isso por mim?

4 comentários:

  1. amo observá-la, lê-la, ouvi-la
    enquanto vc aprende eu tb aprendo
    saudade-bjs-té

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  2. embasbacada com seu texto (se expressar bem não é pra qquer um!)
    meu interesse sempre foi seguir desse jeito seu tb. por vezes o mundo tenta me engolir. mas volto pro pensamento q eu acredito, sempre.
    certos tipos de mulher são um porre mesmo. por isso tenho poucas amigas. não preciso de muitas.
    beijos.

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  3. Porra, Bela, é isso mesxxxxxxxxxmo. Você é tudo isso, não é nada disso... Sou mulher, te amo e sou sua amiga, ok? Beijos

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