A verdade é que já fui muito amada. Por amigos, amigas, parceiros, parceiras, família, marido, namorados, conhecidos, colegas; realmente não poderia reclamar disso.
A verdade é que ainda sou.
Às vezes sou intragável, eu sei, mas talvez porque isso faça parte do charme. E porque também já me machucaram tremendamente, ora por vontade de machucar, ora por estarem demais preocupados com os próprios quereres. Acho esta última possibilidade muito legítima, e me fez ter aprendido a ser uma boa perdedora. Sei, aos quase 30 anos, reconhecer bem quando não dá pra mim, quando não é minha vez, quando é preciso abandonar o barco. E vou-me embora com toda dignidade que dispor no momento e certamente sem disparar blasfêmias contra os que me dispensaram. E sei que a vida é cíclica, e em momentos outros serei eu a escolher/selecionar/dispensar outros seres, e estar tranquila para fazê-lo é poderoso remédio para lidar com as rejeições passadas e futuras.
Não posso muito reclamar, mesmo, de todo amor que recebi, ainda que ele não tenha me sido dado por acaso; estive sempre muito, muito atenta para aprender com aquelas pessoas que vivem rodeadas de carinho. Aprendi a abrir a porta para os bons afetos entrarem e saírem, e distribuo carinho quando o tenho. Se em dias de casa vazia as ansiedades apertam a mente e sopram no ouvido 'que os tempos de ser amada acabaram', eu as mando embora com telefonemas sadiamente claros, informando aos amigos que preciso de uma dose extra de cuidado, de preferência delivery. E, boa negociadora que sou, não me importo se meu desejo não for saciado no primeiro lance, e faço mais tantas ligações quanto forem necessárias para me ver de pé de novo.
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Comecei a semana virada do avesso, por conta de coisas que sequer consegui compreender. Louco, louca, loucura(s); reconheci o bater da Depressão à porta, e antes de deixá-la entrar acionei os afetos que poderiam botar a monstra para correr sem que ela invadisse minha casa, batesse na minha cara e roubasse todos os meus bens. Ufa! A humildade misturada à certeza de que não estou sou só me salvaram de mais esse confronto. Os afetos vieram, em seus ritmos e com suas armas próprias, fosse ela a luz do sol, a praticidade ou um mar de palavras tremulantes. E se recebi um deles aos prantos, ao despedir-me eu sorria, após uma sessão cantarolante de banho quente. Obrigada, quiabito...
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Então, observando as pessoas que reclamam da falta de amor, olho para trás e vejo quantos golpes foram necessários para moldar uma alma aberta ao bem-querer. Amaciei-me consideravelmente ao longo dos anos, engolindo ofensas, re-formatando críticas para se tornarem mais delicadas, negociando com minha mesquinharia e egoísmo, lutando com minha arrogância. Por enquanto não houve nocautes, mas posso considerar que venho ganhando essa luta por pontos. (O maior defeito é ainda a capacidade de simplesmente abandonar as pessoas, sem grandes explicações ou excusas, apenas abrindo a porta e partindo. Conquistar e ir-me; não sei direito conjugar o chegar e manter-me...).
Quando olho a lista de ex-namorados (praticamente todos são pessoas por quem guardo e de quem recebo afeto), de ex-colegas que sempre me têm com carinho recíproco, ao notar o sorriso e alegria verdadeira de amigos espalhados pelo mundo ao nos encontrarmos e observando a tranquilidade de minha família eu silenciosamente agradeço. Porque afeto pode ser raiz e não necessariamente flor, dessas que apontam na beirada do galho e se exibem olorosas. Não precisa, mesmo; basta saber que eles estão ali sustentando a gente e amarrando-se a outros troncos que dando suporte até mesmo os carinhos desconhecidos.
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Ontem um amigo me disse: "Você está no lugar que deveria estar". Achei tão bonito, porque tinha uma verdade e doçura ao me ler que só pude sorrir. Eu concordo com ele: eu tento tratar as pessoas com carinho e respeito, mesmo quando sou confusa e terrivelmente atrasada nas soluções. E se eu poderia auto-aceitar-me em minhas diletâncias, sofro horrores porque ser descuidada também machuca. Mas tenho tentado honestamente, assim como outras vezes eu me vi exercitando para aprender a dividir o meu lanche ou conter críticas maldosas ou aprender com a diferença, que é inerente ao mundo. E foram muitos perdões a tantas pessoas, e tantas desculpas sinceramente apresentadas e, o mais complicado, tantas rotas corrigidas antes do choque que, por fim, os louros vão brotando no quintal. E hoje eis que sou uma divididora verdadeira, que compartilha tudo o que dispõe, na certeza de que não me faltará a minha parte nas horas importantes. Quando minhas mesquinharias pipocam na porta de entrada, eu deixo elas entrarem, converso com todas, observo-nos juntas, discuto, abro os ouvidos para suas mensagens e, ao invés de tentar me esconder, o que eu escondo é a comida até o momento que elas decidirem ir embora. Porque elas vão um dia e, se não posso matá-las, posso expulsá-las por fome ou desconforto, aceitando que essas pequenezas são parte de mim também.
Aos que lutam por amor, recomendo: analisem suas despensas, leiam os rótulos de cada caixa, lata e pacote e selecionem aquilo que alimenta os afetos e não os orgulhos. Como uma pesca, o amor é da natureza da espera ativa, onde criar condições é mais importante do que perseguir os quereres. Sugestão de uma moça complicada e instável que vem sobrevivido a si mesma apenas cuidando bem daqueles que estão à sua volta.
E sejamos soma e não subtração sempre que pudermos, por fim. Pois se nós estamos por nós, quem estará contra nós?
uau!
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